domingo, 25 de outubro de 2015

Explosão (ou para Cê)

Cê, 
"o mundo está tremendamente esquisito". Ouço um álbum que você conhece: são valsinhas da menina - se lembra dela? - que colocava os dedos dentro do saco de feijões ervilhas não me lembro bem. A menina, vermelho e verde. A menina. 
Essa questão de o mundo estar ao contrário, como dizia uma portuguesa ou ainda uma canção bastante de nossas terras, também angustia pessoas que não são nós. Mas será mesmo que é angústia que nos causa? Disseram-me que mar calmo nunca fez bom marinheiro. E que, ainda, batalhas grandes são dadas a soldados grandes. Mediriam os soldados pelo tamanho do coração, Cê? Mas o coração não é do tamanho do punho como me diziam ainda na escola ou nas conversas que temos nesses bancos entre qualquer lugar? 
A medida do coração eu não sei dar. A medida do coração não me cabe nas mãos agora. As valsinhas da menina me deixam com o coração que parece explodir: porque sinto vontade do mundo porque sinto fome do amor porque sinto vontade de dançar pelos palcos que o mundo nem sempre e é infelizmente nesse caso nos dispõe. O coração parece que vai explodir. Um dia ele explode. Um dia, Cê, ele explode.
E seria um barulho tão grande. De deixar as escalas que se medem os decibéis confusas. Mas confusos já estamos todos. Estaríamos todos com o coração prestes a explodir? Imagina como seria: contaram-me certa vez que se todas as pessoas pulassem no mesmo instante, o mundo seria deslocado em milímetros de sua rota (eu posso estar inventando). E se todos os corações explodissem? Poderiam nos ouvir os que ocupam os lugares remotos? Os lugares onde nossas sondas espaciais jamais ousaram acoplar. Os lugares onde a luz brilha diferente - mas também entra pela rachadura.
Quando eu penso em explosão do coração, não penso em vísceras. Sei que compreende sem que eu necessite me estender nas explicações. Mas seria uma explosão daquelas. Será que haveria voz? Será que falaríamos, Cê? Qual é a língua que fala o amor? 
Porque a explosão dos corações seria, certamente, o amor tentando sair das grandes que o prendem. Seria o grito do amor. Seria o idioma que o amor fala. Agora penso então que o coração muitas vezes já explodiu, mas nós não frequentamos - nós faltamos - as aulas desse tão vital idioma. Nós somos quase analfabetos de amor. Sabemos mais ou menos o bê-á-bá. Não sabemos nada. Mas tentamos, talvez isso baste. 
Mas agora volto a falar da menina: "são tempos difíceis para os sonhadores". Eu sonho tanto. Sonhos incompreensíveis. Os sonhos não querem ser compreendidos, eles querem permear. Os tempos são difíceis, assistimos atônitos a explosões atômicas diariamente nos noticiários. E sobrevivemos. Talvez porque os sonhos permeiam. Talvez porque os sonhos impulsionam. Talvez porque os sonhos nos descansem. Talvez porque, em parte, os sonhos alimentam. Sobrevivemos por acreditar. Já nem acho tão difícil assim.
Não é tão difícil assim. 
Te juro.
Não é. 
E o coração não é do tamanho de um punho.
O coração é maior que o mundo.
O coração chega onde nossas sondas espaciais não ousariam chegar. 
O coração, Cê, o coração. 
Um dia ele explode. 
Sei que você entende. 

Cariño,
Maria