domingo, 2 de outubro de 2011

(entre)linhas

Acho que esse texto é sobre perdas. 

Hoje aconteceu algo que me deixou realmente muito triste: uma amiga me deu uma pulseira e eu a guardava como quem guarda algo de muito, muito valor. Amarrei-a no meu tornozelo, tinha a cor da flor que nós tanto gostaríamos de ser. Mas hoje eu perdi essa pulseira. Ela se desamarrou, não sei. Sei que, por algum motivo, ia falar das fitas que levo amarrada na canela e não a encontrei. Ficou pelo caminho, numa dessas andanças. Não sei o que foi que tanto doeu na hora. Foi como no dia em que eu fiquei sabendo que essa minha amiga não estaria comigo mais - em presença física, eu digo - pelo resto do ano. Um sentimento de perda. Você - se é que há você - deve achar isso de uma bobagem imensa. É não.
Num tempo passado perdi alguém. E escrevi um texto sobre árvores que vão ser árvores muito maiores em outros planos. Perdi sem saber perder, era nova demais para isso - e não falo em idade. Não soube aproveitar melhor a companhia, não soube. Cai por mim só quase senti que não haveria volta.
Perdi também alguns amigos. Não sei dizer bem como, nem quando, mas foram ficando. As bonecas já nem serviam mais de consolo. As fotos passaram a marcar um tempo que já não existe mais. As conversas são mais preenchidas por palavras vazias. Se é que as conversas existem. Foram ficando, foram saindo, encontrando outros caminhos. Não lembro mais o tom da voz da amiga que me ensinou a andar de patins, sei que me lembro do rosto, da expressão, mas também sei que custaria a reconhecê-la caso a encontrasse pela rua, nem sei mais onde ela mora, o que faz, o que mais gosta de fazer. Sei que ela não me reconheceria também, porque, afinal, as pessoas mudam muito... 
Perdi um pingente. Uma gota que mais parecia uma lágrima e para mim sempre seria uma lágrima, um dia de felicidade, outro de saudade. Perdi porque esqueci de fechar minha bolsa, coloquei-a no chão do ônibus e, quando cheguei de viagem, procurei o pingente e não o encontrei. Doeu. Era importante. 

Acho que esse texto é sobre descobertas.
Perder a pulseira hoje me fez perceber - depois da tristeza - algo que eu deveria ter percebido já com o pingente e com os amigos e com uma pessoa que eu tanto, tanto amava. Eu descobri. Foi como se meus olhos... puf... abrissem de vez. Um dia li que as coisas de verdade não se quebram. O que havia de verdade naquela pulseira não se arrebentou, nem nunca vai arrebentar nem se perder. O que havia de verdade naquela pulseira está em mim, incorporado na essência do que sou. Assim como o que havia de real naquele pingente jamais vai cair pelo chão de um ônibus. Nem pelo chão de lugar nenhum. Porque o que há de verdade naquele pingente sou eu. Quanto à pessoa que perdi... fui me dar conta de que essa perda não teve nada de perda. Sinto os olhos dela a me olhar, às vezes a sinto por perto. E, veja só, não aprendi daquela vez a andar de patins, mas sei que alguém um dia tentou me ensinar. Pode parecer autoajuda demais. Talvez seja mesmo e não importa: o que importa é que a vida, malandra, esconde entre um milhão de perdas um possibilidade infinita de ganhos.