terça-feira, 9 de dezembro de 2014

caderno de caligrafia


 It's a new dawn/ it's a new day/ it's a new life for me/ and I'm feeling good

Como uma criança que aguarda sua hora natural. Aguarda a sua própria chegança. Aguarda, no interior do corpo da mãe, o desembarque. O embarque.
O mundo lá fora todo correndo doido, há coisas impressionantes por toda a parte bordadas num denso véu de incompreensão. Em todas as plataformas há despedidas e os acenos se confundem. Não há ônibus com direções certas porque já perdemos as direções certas e porque nunca houve de fato as direções certas mas houve, sim, um tempo em que podíamos acreditar que houvessem. Seria lugar comum dizer que as flores desabrocham e que aparentamos já ter as afastado do nosso campo de visão. Lugar comum o aparente pessimismo no momento em que parecemos todos absolutamente desencontrados. 
Mas, como uma criança, aguarda. E não há pessimismo nenhum nas cheganças. 
Há encontro no caos. Há mãos que se entrelaçam nos acenos que se embaraçam. Há letras firmes que tentam escapar das linhas duras do caderno de caligrafia. Ela escreve acima e abaixo das margens. Ultrapassa todas as margens. E são tantas as margens. Comprimem nossos irmãos. Medem nossas letras e nossas palavras de amor. Limitam o território da nossa confusão. Sobre elas, ela dança. Dança com suas letras redondas. Dança como quem pisoteia. Contra as margens, impossível sobrevoar. Impossível leveza. 
Mas também não nos impedirão de dançar flutuando quando alargarmos as margens. E, caso tentem, não terão sucesso. Nossa música será ouvida em todos os cantos desse mundo. Como o choro da criança aguardada quando der o primeiro respiro no ar do mundo. E bordaremos janelas nos tecidos que nos cegam. 
Por enquanto, se agita como uma criança no ventre. Ecoa "river runnning free you know how I feel". O Nascimento virá como um rio correndo livre. Ninguém será capaz de evitar. Não será o mesmo de nenhuma outra hora. Vai desaguar em todas as direções - certas erradas bifurcadas. E o mundo inteiro vai ouvir o nosso choro e não será de tristeza não. Será daquele que nasce. E nasce de novo. É só questão de tempo. 

(cada fim de ano se parece, para mim, com a oportunidade de nascer. de permitir que o ar inicial inunde de novo todas as partes do corpo. os dias não têm facilitado para os sonhadores - "o mundo é um moinho" - e têm arrastado nossos sonhos a cada parte ruim que parecemos pequenos demais para modificar, têm nos feito acreditar que remamos num barco fora d'água. mas esses dias, acredito, são a nossa gestação - dificultosa, desacreditada. mas nasceremos. de parto natural, contra todas as margens que nos colocam do parto ao partir. contra os hormônios para acelerar nossa vinda. contra a violência que renega nossa vinda. contra as palavras de ódio, as moralidades, as lágrimas. o tic tac do relógio não dá tregua e nos aproxima. não falta muito)