E que me aperta o peito e me faz confessar
(Chico Buarque)
Durante o Natal várias coisas aconteceram ao redor do mundo. Em todas as casas, mesmo sem árvores e luzes, alguém se abraçou e disse baixinho: "Feliz Natal". Eu chorei durante quase todo o dia natalino. Chorei como um bebê, que perde o fôlego e tenta esconder as lágrimas tentando fazer pirraça. Por quê? Porque me fizeram acreditar, de algum modo, que no Natal as famílias ficam juntas, unidas, rezando e comendo juntos a ceia que passaram o dia preparando, mas aqui em casa nunca foi assim. É tudo bem mais simples: chega, janta, conversa, assiste os especiais que a Rede Globo insiste em passar nessas datas, uns saem para outra festa com outras pessoas, outros vão dormir. Esse ano algo mudou: nem todo mundo estava. Meu avô apagou a churrasqueira mais cedo, eram dez e meia e já estávamos quase todos dormindo. Choravam no telefone falando com os parentes que estão distantes, os filhos que estão distantes. Eu chorava copiosamente e nem sabia o motivo. Minha mãe veio me abraçar e perguntou o que estava acontecendo - Nada mãe, eu odeio o Natal. - e ela ficou um pouco espantada ao ouvir isso. Eu também fiquei espantada eu ouvir minha voz dizendo isso. Sou cristã, então me senti um pouco ingrata. Ingrata com o verdadeiro sentido disso tudo. Ingrata! Mas a falha não foi só minha, a ingratidão não foi só minha - embora isso não me console. As pessoas nem se lembram mais porque se reunem para ceiar, não ensinam mais os filhos o motivo real daquilo tudo. Depois da meia-noite eu inventei de sair com meus primos. Eu sentia uma raiva tão grande daquela data que agi, insanamente, como uma adolescente - o que, de fato, sou - cheia de vontade de viver a vida intensamente - e isso não sou. Bobagem. Eu adoro o Natal, mas inventaram muito em cima dessa data. Eu não quero presentes e, porra, não quero o cara vestido de vermelho entrando pela chaminé de uma lareira que nem existe aqui em casa. Eu acreditei quando era criança, mas só via os presentes e não via o senhor vestido de vermelho, então acabei ficando muito raivosa. E depois descobri que ele não existia, que meus pais traziam os presentes. Mas o fato de eu não acreditar não me faz tentar impedir que a minha prima de três anos acredite. Acreditar nisso me fazia ver encanto em tudo, ficava aguardando por horas, contava os dias, preparava-me para, quem sabe, poder me encontrar com ele. Meu sonho era ter uma árvore grandona, porque aí seria como a televisão tento ensinar: presentes ao pé da árvore, pessoas ao redor da mesa. Mas descobri que nada disso importa, que nada disso precisa acontecer aqui em casa para minha família se amar. A gente precisa de cheiro de fumaça de churrasco, de gente jantando na sala criticando os especiais da TV. A gente precisa do que a gente é. Sem esses rituais que inventaram, sem essa angústia por eles não acontecerem. A gente se precisa e pronto. Limpei as lágrimas que caiam sem motivo algum. Limpei as ideias que tive durante anos. Limpei da memória todas as coisas e só me lembro, desde então, do que desejo me lembrar.
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