A lua em câncer. Doeu, mas foi.
O tempo sufoca, minha amiga, e sobra esse choro carente de ser chorado. Chega a me apertar a garganta. Estranhíssima essa relação que tenho com o crescimento. Estranhíssima. Não sou exatamente como as árvores, crescendo para o céu, para os lados, dando a tranquilidade da sombra. O crescimento repleto de tranquilidade. Como é possível? Eu podia dormir, mas não ia passar. Eu ia continuar crescendo. Eu sinto os pés esticarem, quase não caberem na cama, sobrarem no edredom, eu vejo. As mãos maiores, o rosto maior, os cabelos. Nada me salvaria desse crescimento irreversível, dessas dores apertadas num corpo que parece maior mas que é tão pequeno, ami, é pequeno. Nada me salvaria desse amor que expande três vezes mais a cada centímetro que eu pareço alongar. Do amor nada jamais vai me salvar. Dessa coisa que grita, que me sacode. Dessa coisa que sou eu. Desse eu. E eu, quem eu sou, arde dentro do peito. Aí eu sinto medo do crescer. Medo dessas coisas tão barulhentas que criamos carro máquina lugares fechados pensamentos. Não é que quero ser como aquele personagem que não cresce. E que voa. Eu não quero ser nenhuma personagem. Só quero caber em qualquer coisa na cama no edredom na cabeça no coração eu só quero caber. Dormir no acolchoado da vida e crescer como a árvore. Falamos da aceitação dos processos, sobre a transitoriedade das estações, da efemeridade. Mas nada disso faz passar. No fundo, a nossa história se mistura, se dissolve, nas coisas que somos hoje e gritam. Não é vontade de voltar. Tem uma passagem que dizia, e eu até acho que era bíblica, que quem olhou para trás ficou congelado para sempre. Congelado nos prazeres que passaram. Congelado nas coisas que parecem bonitas agora, vistas de outro jeito. A lua em câncer. A história misturando tudo. Eu respiro. Deve ser isso que dizem ser saber viver. Respirar. O compasso do respiro eu conheço de cor. Sentir o vento do presente bagunçar o cabelo. Eu só quero deitar no chão e esticar o corpo. O corpo no chão. O contato no chão. Só o agora existe. Só o agora.
memórias, crônicas e declarações de amor
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Mãe, a gente não deveria se acostumar
Mãe,
"a gente se acostuma, mas não devia", foi assim que li um dia e, sempre que penso, tudo me arde. Não é fácil quando olhamos para os costumes da vida e vemos que estamos habituados a muitas coisas que não nos causam agrado. E daí penso nos estraves de ficar adulto. Penso que já escrevi sobre a saúde dos colegas da faculdade. Já falei exaustivamente sobre como o ensino superior me cansa, me fadiga, me rouba o ar. Engraçado como, aí, as questões sociais me gritam. Eu não posso desistir. Sempre afirmei que continuar era resistência, num ambiente que sempre negou espaço aos meus. Não é assim tão desafiador quando a classe média/alta diz que "tudo bem desistir da faculdade", "não é normal", "você não está se sentindo bem, então larga". A nós, não foi dada essa oportunidade de não nos sentirmos adequados. Principalmente quando ocupamos um espaço tão disputado no ambiente acadêmico. Na m-e-d-i-c-i-n-a. Com todas as letras e toda a prepotência que carrega esse curso, essa carreira. E daí nós acabamos por nos acostumar, não é, mãe? Penso em você, anos no mesmo emprego, fazendo declarações de impostos de renda que não chegam ao seu imposto de renda. Penso no meu pai. Anos fazendo compras para um mercado e com tão pouca vontade de continuar. Vocês não puderam não gostar. Mudar de emprego. Mudar de vida. De cidade. A nós, que nascemos pobres nessa sociedade desigual, não foi dada oportunidade de escolha. Precisamos resistir. Precisamos aguentar horas num ônibus para chegar onde precisamos. Precisamos aguentar horas longe de nossa família, de nossos filhos, de nossos sonhos. A nós foi permitido sonhar? O curso superior, de maneira geral, esmaga nossa vontade de aprender, esmaga nossa crença pessoal, esmaga nossa sensibilidade. Eu não sei se sou adulta o suficiente ou se quero em tornar essa adulta suficiente. Tem dias, mãe, que o frio parece muitíssimo maior que o cobertor. É triste a ingratidão de saber que chegamos até aqui a duras penas e que é infinitamente difícil manter nosso lugar. Sem se misturar. Sem confundir. É, mãezinha, a nós foi dada a incansável insistência. A nós foi dada a capacidade de resistir, por mais que nos sufoquem os sonhos. Insistir nos sonhos de uma sociedade melhor, na qual tenhamos um espaço, que possamos comprar o que desejam nos vender e fazer as viagens para lugares que sempre pareceram tão distantes de nós. Mas a gente não deveria se acostumar, mamãe. Não deveríamos nos acostumar a esse mundo que arde tanto. Hoje eu vejo que existem privilégios que doem muito mais que outros. Hoje eu vejo que o privilégio social está até na possibilidade de se deixar doer. De sair. De mudar os planos e começar de novo. Eu achava tão bonito quando via na TV essas pessoas largando os empregos e indo morar no meio do mato, numa vida tranquila e "out". Mas hoje não. Hoje vejo que é só privilégio mesmo. Privilégio pra, inclusive, abrir mão. Não ter responsabilidade, compromisso, morar no sítio comprado quando aqui a gente mais ou menos consegue alugar uma casa sem passar o resto do mês sem dinheiro. É só privilégio, mãe. E hoje só consigo é achar bonita nossa vida mesmo, que enverga mas não quebra, mesmo com todos os ventos contrários.
"a gente se acostuma, mas não devia", foi assim que li um dia e, sempre que penso, tudo me arde. Não é fácil quando olhamos para os costumes da vida e vemos que estamos habituados a muitas coisas que não nos causam agrado. E daí penso nos estraves de ficar adulto. Penso que já escrevi sobre a saúde dos colegas da faculdade. Já falei exaustivamente sobre como o ensino superior me cansa, me fadiga, me rouba o ar. Engraçado como, aí, as questões sociais me gritam. Eu não posso desistir. Sempre afirmei que continuar era resistência, num ambiente que sempre negou espaço aos meus. Não é assim tão desafiador quando a classe média/alta diz que "tudo bem desistir da faculdade", "não é normal", "você não está se sentindo bem, então larga". A nós, não foi dada essa oportunidade de não nos sentirmos adequados. Principalmente quando ocupamos um espaço tão disputado no ambiente acadêmico. Na m-e-d-i-c-i-n-a. Com todas as letras e toda a prepotência que carrega esse curso, essa carreira. E daí nós acabamos por nos acostumar, não é, mãe? Penso em você, anos no mesmo emprego, fazendo declarações de impostos de renda que não chegam ao seu imposto de renda. Penso no meu pai. Anos fazendo compras para um mercado e com tão pouca vontade de continuar. Vocês não puderam não gostar. Mudar de emprego. Mudar de vida. De cidade. A nós, que nascemos pobres nessa sociedade desigual, não foi dada oportunidade de escolha. Precisamos resistir. Precisamos aguentar horas num ônibus para chegar onde precisamos. Precisamos aguentar horas longe de nossa família, de nossos filhos, de nossos sonhos. A nós foi permitido sonhar? O curso superior, de maneira geral, esmaga nossa vontade de aprender, esmaga nossa crença pessoal, esmaga nossa sensibilidade. Eu não sei se sou adulta o suficiente ou se quero em tornar essa adulta suficiente. Tem dias, mãe, que o frio parece muitíssimo maior que o cobertor. É triste a ingratidão de saber que chegamos até aqui a duras penas e que é infinitamente difícil manter nosso lugar. Sem se misturar. Sem confundir. É, mãezinha, a nós foi dada a incansável insistência. A nós foi dada a capacidade de resistir, por mais que nos sufoquem os sonhos. Insistir nos sonhos de uma sociedade melhor, na qual tenhamos um espaço, que possamos comprar o que desejam nos vender e fazer as viagens para lugares que sempre pareceram tão distantes de nós. Mas a gente não deveria se acostumar, mamãe. Não deveríamos nos acostumar a esse mundo que arde tanto. Hoje eu vejo que existem privilégios que doem muito mais que outros. Hoje eu vejo que o privilégio social está até na possibilidade de se deixar doer. De sair. De mudar os planos e começar de novo. Eu achava tão bonito quando via na TV essas pessoas largando os empregos e indo morar no meio do mato, numa vida tranquila e "out". Mas hoje não. Hoje vejo que é só privilégio mesmo. Privilégio pra, inclusive, abrir mão. Não ter responsabilidade, compromisso, morar no sítio comprado quando aqui a gente mais ou menos consegue alugar uma casa sem passar o resto do mês sem dinheiro. É só privilégio, mãe. E hoje só consigo é achar bonita nossa vida mesmo, que enverga mas não quebra, mesmo com todos os ventos contrários.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
A te olhar
É que uma lembrança me veio à cabeça: você me chegando assim, cheio de rodeios, oferecendo sua jaqueta, seu calor para me aquecer. Acho que falávamos de energia, reencarnação, sensações, sonhos. Não sei do que falávamos. Sei que olhava. Eu ainda te olho tanto - não sei se você percebeu. Olho para você, para o seu rosto, e a certeza me salta os olhos. A certeza de que sempre quero olhar para seu rosto. E me lembrar de tudo o que me trouxe até aqui, lembrar de cada dia revolucionário em que o amor me escapou pelos olhos. Tem horas, eu juro, tem horas que eu sinto que meu coração vai explodir. Não sei se você compreende exatamente o que quero dizer com isso. Minhas letras, minhas palavras... ai! Eu tenho isso a oferecer. Isso. E meu olhar. Eu poderia desenhar seu rosto agora enquanto tento compreender os descaminhos da palavra con-fi-an-ça. Eu poderia desenhar seu rosto de tanto que não quero nunca me esquecer de nenhum detalhe e para isso eu preciso, sim, ajude minha memória, preciso que esteja todos os dias a habitar meu mundo. Eu não tenho nada a oferecer. Só isso mesmo, o que está posto aqui, o que sinto aqui. E eu ando escrevendo tão mal... Há tanta crise por aí, meu amor. São externas a nós, mas você sabe bem como se comporta meu coração. O externo importa. A dor do mundo dói e me arrebenta. Mas a lembrança me salva. Mas o teu amor meu salva. É tão difícil compreender o amor, meu amor. E eu te olho tanto... acho que assim tento agarrar em minha retina um dos mil significados do amor. Você, sem dúvida, é uma significação do amor. A ressignificação do amor. A razão do amor. Você, seus olhos, a sua voz, tudo em você que queria mas não consigo tocar porque transcende. Acredita no meu amor. Acredita na potencialidade da descoberta do mundo que estamos fazendo. Acredita nessa estrada. O piloto automático. 110 quilômetros-por-hora. O vento que nos bagunça os cabelos. Como faz sol quando estou com você. Mesmo quando quer chover: se estou ao seu lado, a estrada é linda. E é ao teu lado e só que quero desbravar todas as estradas. Você. A tua lembrança. Voa comigo. Não deixo de te olhar um minutinho sequer. E tô logo aqui. Te olhando. Voa comigo. E, sem pressa, compreenderemos todas as incompreensões. Porque o amor é isso sim. Me deixa te olhar por todos os dias que vierem? Porque o amor é isso também.
sábado, 5 de dezembro de 2015
O amor é o beijo na boca do mundo
O amor era o que eu tinha. Compreendi que tinha tudo.
Os relacionamentos não são divisões perfeitas: também têm restos. E eu nunca entendi muito bem matemática, mas posso te dizer que, em algum momento de azul, entendi que o que não é exatamente perfeito também é capaz de encher os olhos. E até muito mais. O que não é perfeito traz aprendizado. Se todas as divisões dessem resultados exatos, não saberíamos o que fazer quando isso não acontecesse. Porque também somos nossos restos. Também somos os quocientes anteriores. Nós somos complexos: seria cruel a tentativa de reduzir o outro em nossos moldes.
E eu queria te repetir o trecho da Cora Coralina: "remove pedras e planta roseiras. E faz doces. Recomeça". Sabemos que não é assim tão simples. Muitas pedras parecem tão pesadas, tão acimentadas no nosso chão da vida. As pedras são nossas experiências, nossas dores escondidas nos cantinhos mais escuros, nosso medo do amor. Nosso medo da entrega. Então percebi que talvez o que o amor faz é remover as pedras. É dar a mão para carregar as pedras. É jogá-las do outro lado da cerca. Mas, principalmente, o amor é emprestar a semente da roseira. O amor é se orgulhar das flores, cheirá-las. O amor é um beijo na boca do mundo: o amor povoa o mundo de rosas. Não é lindo demais?
Isso tudo me lembrou da pergunta que ouvi ontem em um programa de tv: "o que é o amor?". Você saberia me dizer? Perguntei para uma amiga. Ficamos atônitas com o poder dessa pergunta, o poder de nos levar para um ambiente completamente diferente, onde tudo flutua. Mas refleti, horas e horas, refleti. E, nesse intervalo, só conseguia pensar nas equações matemáticas... droga! Não sabia fundamentar. Não sei os fundamentos de equação. Não acho que o amor é assim também, tão determinado, tão previamente descrito. Conseguimos encaixar uma regra ou outra, porque somos tão previsíveis enquanto humanos - mas "a raça humana é toda brilho", nisso acredito. Previsíveis. Demasiado humanos.
Mas o que é o amor? Vejo agora que o amor é esse momento que você me abraça e dorme. E eu ouço você respirar e tenho paz pela proximidade. O amor é esse intervalo que passo longe com o coração tão perto que as vezes sinto que ele nem bate direito no meu peito. Leminski estava certo, outra vez; "você está tão longe que as vezes penso que nem existo, nem fale em amor que amor é isto". Amor é o rádio do seu carro, amor é quando todas as suas músicas tocam e eu sinto que já aprendi a cantá-las, ou, pelo menos, cantarolá-las. Assovio. Amor é esse lugar onde conseguimos pensar que a vida era tão esquisita antes como-foi-que-eu-vivi-tanto-tempo-sem-olhar-pra-ele-meu-deus. Amor é essa sensação de calmaria ao olhar, ao abraçar. Nenhum porto seria tão seguro quanto o meu coração batendo perto do seu e, algumas vezes, me confundo se é seu coração que bate, se é meu coração que bate. Acho que nos misturamos. Amor é quando toda briga parece desculpa para um beijo mais demorado e como dói quando demoramos para encontrar esse beijo demorado. Amor é quando toda briga me faz ter certeza que tenho encontrado em mim um jardim que nem sabia que existia. E encontrar em você todas as possibilidades de uma felicidade compartilhada. O amor é o que faz meus olhos marejarem de saudade.
O amor é a sensação de estar o tempo todo no lugar certo. Mesmo quando as contas não fecham. O amor é o que me enche de certeza do meu lugar no mundo. E é ao seu lado. Com a mão entrelaçada na tua mão. Como um ímã. E, assim, alteramos o eixo da Terra. Eu e você. Do jeito certo de todos os jeitos errados do nosso jeito. O nosso jeito certo.
domingo, 15 de novembro de 2015
Maremoto
Há tempos não escrevo. E teria motivos para fazê-lo:
o mundo anda doido que dói. É cada coisa que somos obrigados a ver, ouvir, sentir... creio que há ainda poucos corações que aguentam o tranco quando aceitam, de fato, olhar para tudo o que tem acontecido.
os temas que, para mim, são sempre bem-vindos, estão a todo o tempo sendo por aí reivindicados: política, feminismo, esquerda, luta pelas minorias.
tem Eduardo Cunha na presidência da câmara. Sobre isso, não preciso de nenhuma palavra a mais.
tem tragédias: tem Mariana, a cidadezinha que conheci e gostei, que está soterrada pela lama da irresponsabilidade e descaso. Soterrada também pelo silêncio. Tem Paris, atentados, bombas, vídeos de pessoas correndo desesperadas. Tem solidariedade seletiva. Tem tanta coisa acontecendo que também merece nossas lágrimas. Todos os casos merecem: eles mostram que falhamos. E falhamos feio. A sociedade deslizou, enfim. Mas temos escolhido quais mortos valem mais as nossas lágrimas.
tem minha semana de provas, tem essa faculdade, tem essa sensação de inquietação, tem essa variação maluca entre sono e agilidade, tem esse desespero que bate no fundo da barriga.
tem meu amor, que me oferece a paz impossível nesse mundo que tenho vivido, quando quase estou a beira do naufrágio - e isso é sempre. E, sobre esse amor, eu poderia elencar tópicos muitos, que vão desde a minha busca constante por me libertar de todas as amarras do passado até a confusão de não sabermos exatamente a que horas estaremos juntos outra vez. A distância tem dessas. Poderia escrever sobre a ansiedade pelo encontro, a paz do abraço, o vinho esperando por ele. O amor tem dessas. E quem me conhece sabe que, para mim, o amor é território vasto. Vasta inspiração para textos, cartas, choros, declarações, etc.
Mas não. Há tempos não escrevo. E o que me desperta hoje não é nenhum desses temas.
O que me faz escrever é meu pai.
Por motivos incríveis, quase absurdos na minha concepção, eu e meu pai não nos falamos mais. Escrevi essa linha e o olho já marejou. É que eu estava me lembrando de um dia em que fomos de moto até um lugar bem alto. Era tão perto do céu que me assustei. Mas olhei para o lado e ele estava lá. Acho que eu não escolheria estar perto do céu com mais ninguém além dele. Meu pai sempre foi meu ídolo maior da vida: eu me enchia, e ainda me encho, para contar a história dele para todo mundo. A história de vida de um cara esplêndido, íntegro, sábio. Meu pai, sem dúvida, é o cara mais sábio que conheci. Ensinou que eu podia pensar. E como eu pensei. Mas meus pensamentos o desafiaram e, em algum momento, nossa sintonia teve ruído.
Não importava, eu olhava para ele com os olhos cheios. Ele não gostava muito, mas eu adorava ir encontrá-lo no trabalho. Adorava vê-lo fazendo o que mais gostava. Ele era lindo lá, impressionante como cabia tão bem em um lugar. E falava com as pessoas, e gesticulava, e falava alto. E parecia brigar. Ele sempre parece brigar. Mas como é genuíno parecendo brigar.
Eu, hoje, não posso ler absolutamente nada falando sobre pais. Não consigo falar o nome dele, falar sobre ele, pensar nele, sem me deixar levar por todas as lágrimas que me inundam. Exige uma maturidade muitíssimo superior à que possuo para afastar os dedos da mão dos dedos da mão da pessoa que mais te segurava. De repente, o chão abre. E tentamos, em vão, manter a compostura. Tentamos, em vão, fingir que a ferida não lateja. Tento, em vão, preocupar-me com as outras questões que me rodeiam e que sempre me foram de tanta importância. Eu falo sobre meus assuntos no vazio. Eu só queria o ouvido dele escutando. A voz dele discordando. Não adianta falar sobre mais nada. Os assuntos estão esgotados.
E acho que é assim, desabafando, vomitando, sentindo, que abandono a escrita outra vez. As palavras não tem tanta importância assim. As palavras salvam pouco. É preciso mais. É preciso compreender o que um abraço diz. É preciso ir atrás dos tempos perdidos. É preciso reconstruir.
Quem dera eu soubesse como.
domingo, 25 de outubro de 2015
Explosão (ou para Cê)
Cê,
"o mundo está tremendamente esquisito". Ouço um álbum que você conhece: são valsinhas da menina - se lembra dela? - que colocava os dedos dentro do saco de feijões ervilhas não me lembro bem. A menina, vermelho e verde. A menina.
Essa questão de o mundo estar ao contrário, como dizia uma portuguesa ou ainda uma canção bastante de nossas terras, também angustia pessoas que não são nós. Mas será mesmo que é angústia que nos causa? Disseram-me que mar calmo nunca fez bom marinheiro. E que, ainda, batalhas grandes são dadas a soldados grandes. Mediriam os soldados pelo tamanho do coração, Cê? Mas o coração não é do tamanho do punho como me diziam ainda na escola ou nas conversas que temos nesses bancos entre qualquer lugar?
A medida do coração eu não sei dar. A medida do coração não me cabe nas mãos agora. As valsinhas da menina me deixam com o coração que parece explodir: porque sinto vontade do mundo porque sinto fome do amor porque sinto vontade de dançar pelos palcos que o mundo nem sempre e é infelizmente nesse caso nos dispõe. O coração parece que vai explodir. Um dia ele explode. Um dia, Cê, ele explode.
E seria um barulho tão grande. De deixar as escalas que se medem os decibéis confusas. Mas confusos já estamos todos. Estaríamos todos com o coração prestes a explodir? Imagina como seria: contaram-me certa vez que se todas as pessoas pulassem no mesmo instante, o mundo seria deslocado em milímetros de sua rota (eu posso estar inventando). E se todos os corações explodissem? Poderiam nos ouvir os que ocupam os lugares remotos? Os lugares onde nossas sondas espaciais jamais ousaram acoplar. Os lugares onde a luz brilha diferente - mas também entra pela rachadura.
Quando eu penso em explosão do coração, não penso em vísceras. Sei que compreende sem que eu necessite me estender nas explicações. Mas seria uma explosão daquelas. Será que haveria voz? Será que falaríamos, Cê? Qual é a língua que fala o amor?
Porque a explosão dos corações seria, certamente, o amor tentando sair das grandes que o prendem. Seria o grito do amor. Seria o idioma que o amor fala. Agora penso então que o coração muitas vezes já explodiu, mas nós não frequentamos - nós faltamos - as aulas desse tão vital idioma. Nós somos quase analfabetos de amor. Sabemos mais ou menos o bê-á-bá. Não sabemos nada. Mas tentamos, talvez isso baste.
Mas agora volto a falar da menina: "são tempos difíceis para os sonhadores". Eu sonho tanto. Sonhos incompreensíveis. Os sonhos não querem ser compreendidos, eles querem permear. Os tempos são difíceis, assistimos atônitos a explosões atômicas diariamente nos noticiários. E sobrevivemos. Talvez porque os sonhos permeiam. Talvez porque os sonhos impulsionam. Talvez porque os sonhos nos descansem. Talvez porque, em parte, os sonhos alimentam. Sobrevivemos por acreditar. Já nem acho tão difícil assim.
Não é tão difícil assim.
Te juro.
Não é.
E o coração não é do tamanho de um punho.
O coração é maior que o mundo.
O coração chega onde nossas sondas espaciais não ousariam chegar.
O coração, Cê, o coração.
Um dia ele explode.
Sei que você entende.
Cariño,
Maria
sexta-feira, 12 de junho de 2015
Retas paralelas
Carlos, sossegue, o amor é isto que você está vendo:
Sei que entende sobre as retas paralelas. nunca-se-cruzam-se-encontram-no-infinito. Queria ter faltado a essa aula.
Não entendo nada de auto-preservação. Acredito demais na humanidade. Me desnudo. E fico horas pensando em palavras e tons e toques e não entendo nada de nada disso, eu acho. Deus, "só se pode viver de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor". Não entendo nada de amor também. E leio os outros textos mais antigos e percebo: não entendo nada de amor. Mas queria tanto... queria tanto! Deixava os dias passarem a tentar compreender seus descaminhos, formulava teorias: coitado de quem ouviu. Eu não entendo nada de amor.
Abri essa página. "We've changed, honey boo". Você seria capaz de compreender todas as palavras? Eu falei tanto. Tanto. Eu falei demais. Você compreendeu algo? Engraçado como pareço suspensa no ar. E eu deveria ter medo, tantas coisas já conspiraram para a cautela. O talvez amor sempre tão cheio de arestas, tantas cicatrizes. Não é nada fácil, eu sei. Parece que não aprendi nada. Eu não tenho medo do amor, das suas variações. Não entendo nada de auto-preservação e por isso espero por ele, pelo amor, com os pratos na mesa. Com aquela carta, a do Johnny Cash, enquanto compreendo quem ele é enquanto leio Drummond enquanto preparo teorias enquanto recorto camisetas enquanto perco o sono.
"Pensamos parecido. Lemos a mente um do outro. Sabemos o que o outro quer sem perguntar. Às vezes, nós irritamos um ao outro um bocado. Talvez, algumas vezes, tratamos um ao outro como garantido. Mas de vez em quando, como hoje, refleti sobre isso e percebi o quão sortudo sou por compartilhar minha vida com a mulher mais incrível que já conheci. Você continua me fascinando e inspirando. Você me faz ser melhor. "
e Adélia. São tantas as palavras...
"O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é"
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
Não faz nenhum sentido. Hoje tudo teve um peso tremendo: senti amor pelo amor, senti leveza porque tudo tem parecido tão difícil, há muito ódio espalhado, tem dias, te juro, a vontade em mim some. Hoje eu respirei, tive esperança. Em nós, inclusive. E pensei em tudo que essa corrida de fim de tarde significa. Por nós passam os carros. Por nós, as pessoas. Por nós, também, atravessam sentimentos incompreensíveis, atravessam palavras que nem sempre queremos que sejam ditas, atravessam segredos inúmeros. Todos os nossos segredos inúmeros. Todos os dias em que o pôr-do-sol (o horário mais lindo para mim, talvez saiba) aconteceu entre duas ou três da manhã e eu dizia que precisava ir, sim, eu precisava ir. Eu preciso ir. Tudo o que nos atravessa com demasiada rapidez me faz crer realmente na capacidade sensível do espírito que temos. A intensidade, a frequência das ondas desse rádio, tudo o que escuto fala de você. O sino toca lá fora. Todos os sons são seus. O sino é seu também. O sino inaugura um novo dia: quero desvencilhar, preciso me encontrar.
Você vem?
Eu não acredito nas teorias matemáticas. Talvez as retas paralelas extrapolem a teoria. Merecemos mais que toda essa razão de um para dois.
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